Conflitos relativos à relação de consumo em transporte internacional de passageiros devem ser resolvidos segundo as regras estabelecidas nas convenções internacionais que tratam do assunto, tais como as convenções de Varsóvia e Montreal, e não pelo CDC.
Assim definiu, por maioria, o plenário do Supremo ao julgar, nesta quinta-feira, 25, dois REs com repercussão geral reconhecida. O julgamento conjunto havia sido suspenso em 2014 após pedido de vista da ministra Rosa Weber e foi retomado hoje. Seguindo o que estabelece o art. 178 da CF, prevaleceram as teses dos relatores, ministro Gilmar e ministro Barroso.
Inicialmente, nos casos de extravio ou destruição de bagagem, só ficam as companhias obrigadas a indenizar pelos danos materiais, e não também pelos danos morais, como prevê o CDC. Também pela tese fixada, o prazo de prescrição é de dois anos, e não os cinco previstos na norma consumerista.
Votos prevalecentes
Em um dos recursos (RE 636.331), de relatoria do ministro Gilmar Mendes, a Air France questionava acórdão do TJ/RJ que, levando em conta a existência de relação de consumo entre as partes, reformou a sentença para determinar que a reparação deveria ocorrer nos termos do CDC e não segundo a Convenção de Varsóvia, que regulamentava, à época, as condições gerais do transporte aéreo internacional.
O relator votou, em 2014, pelo provimento do recurso sob o argumento de que, por tratarem de relação de consumo específica – transporte internacional de passageiros –, as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil têm status de norma especial, tendo prevalência sobre o CDC, que ganha contorno de norma geral por tratar de relações genéricas de consumo.
Segundo o ministro Gilmar Mendes, o preceito da defesa do consumidor não é o único mandamento constitucional que deve ser examinado neste caso. Ele lembrou que a CF também prevê a manutenção da ordem econômica e a observância aos acordos internacionais. Seguiram o entendimento os ministros Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki.
O outro processo em discussão (ARE 766618), relatado pelo ministro Roberto Barroso, foi interposto pela empresa Air Canadá contra acórdão do TJ/SP, que aplicou o CDC e manteve a condenação da empresa ao pagamento de R$ 6 mil por danos morais a uma passageira por atraso de 12 horas em voo internacional. A empresa pediu a reforma da decisão, alegando que o prazo de prescrição de ação de responsabilidade civil decorrente de atraso de voo internacional deve seguir os parâmetros da Convenção de Montreal, sucessora da Convenção de Varsóvia, de dois anos.
O ministro Barroso, que deu provimento ao recurso, considerou que deve ser seguida a regra prevista no artigo 178 da CF, que estabelece a obediência aos acordos internacionais ratificados pelo país na ordenação dos transportes aéreos. Segundo ele, em caso de conflito, as normas das convenções internacionais devem prevalecer sobre o CDC. Quando o julgamento foi suspenso, o ministro Teori Zavascki também havia votado pelo provimento do recurso.
Acompanharam os relatores os ministros Rosa Weber, Fachin, Luiz Fux, Toffoli, Lewandowski e Cármen Lúcia. A maioria considerou que o artigo 178 da CF complementa a cláusula pétrea do artigo 5º (“O estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”), a qual determina: “A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade”.
Voto vista
Ao apresentar voto vista na sessão desta quinta-feira, a ministra Rosa Weber acompanhou na íntegra os relatores, ministro Gilmar e ministro Barroso, sugerindo apenas que a tese ficasse restrita a casos de atraso de voo e extravio de bagagem, tendo em vista a complexidade em casos de morte ou lesões físicas, ponto que não foi acolhido.
Voto divergente
Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello.
Para o decano, as empresas de transporte aéreo internacional realizam atividades que se qualificam tipicamente como atividades de prestação de serviços, em ordem a permitir que se reconheça, nesse domínio, a existência de uma relação jurídica de consumo, que se consolida na prestação de serviços da empresa em relação ao seu passageiro contratante, tudo como positivado e tal como positivado no art. 2º do CDC.
“Tratando-se de relações de consumo, em que os passageiros figuram inquestionavelmente como destinatários finais dos serviços de transporte aéreo, tenho para mim que aplicado à espécie é o CDC. Tratando-se de relações de consumo, as disposições do CDC têm precedência, segundo penso, sobre as normas da convenção de Varsóvia, dos protocolos de Haia e da Guatemala, e também agora da convenção de Montreal, e também, no plano do transporte aéreo doméstico, sobre as regras estabelecidas e positivadas no código brasileiro de aeronáutica.”
No mesmo sentido, o ministro Marco Aurélio apontou que os tratados estão no mesmo patamar da legislação ordinária e que, no caso, tratava-se de relação de consumo, regida pelo CDC, que é bem posterior às convenções em discussão. Ele destacou que, se fosse um voo interno, a indenização por dano moral estaria assegurada ao consumidor.