É válida a resolução 14/12, da Anvisa, que proíbe aditivos em cigarros. O plenário do STF julgou, nesta quinta-feira, 1º, improcedente o pedido da Confederação Nacional da Indústria para que a norma fosse julgada inconstitucional.
A resolução estava suspensa por liminar da ministra Rosa, relatora, que valeria até o julgamento da ação pela Corte. Nesta quinta-feira, houve empate nos votos dos ministros, de forma que não havia quórum para a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma. Com a improcedência da ação, dispositivo da Anvisa passa a valer. Como o resultado do julgamento não gerou tem efeito vinculante, não há empecilhos a eventuais decisões das demais instâncias do Judiciário acerca da resolução.
Julgamento
O julgamento teve início em novembro de 2017 e foi retomado nesta quinta. A ação pedia a declaração de inconstitucionalidade de resolução da Anvisa que proibiu aditivos em cigarros.Na ADIn 4.874, a Confederação Nacional da Indústria questiona a competência da Anvisa para editar a norma.
O Tribunal se dividiu entre o entendimento de que a Anvisa agiu dentro de suas atribuições ao proibir aditivos em cigarros, devido ao dano potencial das substâncias à saúde, e o fundamento de que ela extrapolou sua competência. Segundo esta segunda vertente, a agência deveria se limitar a proibir a circulação de produtos em situações de risco iminente à saúde, ou seja, em caráter emergencial.
A relatora entendeu pela constitucionalidade da norma da Anvisa. Para Rosa Weber, ao restringir o uso de aditivos nos produtos fumígenos derivados do tabaco, a agência atuou em conformidade com os lindes constitucionais e legais de suas prerrogativas. Acompanharam a relatora os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
Inaugurando a divergência, o ministro Alexandre de Moraes votou pela inconstitucionalidade da resolução. Para o ministro, é função da agência normatizar, controlar e fiscalizar, mas não proibir de forma absoluta qualquer produto. Acompanharam o voto os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
O ministro Barroso estava impedido no processo. Com 5 a 5 no placar, a ação foi julgada improcedente, mas sem efeitos erga omnes e sem eficácia vinculante.
A Corte indeferiu por 8 votos o pedido também constante na ação de interpretação conforme a Constituição de dispositivo da lei que cria a Anvisa (lei 9.782/99, incisos III e XV, art. 7º), o qual afirma que a agência pode proibir a fabricação e comercialização de produtos em caso de risco iminente à saúde. A CNI alegou que a agência utilizou de atuação regulamentar para agir em caráter genérico e abstrato. Ficou vencido neste ponto o ministro Marco Aurélio.
Constitucional
A ministra Rosa Weber, relatora, iniciou seu voto com dados acerca da problemática do tabagismo e a importância da adoção de políticas públicas voltadas a seu controle. Ela observou que, embora não caiba às agencias legislar, lhes compete sim promover a normatização dos setores, cuja regulação lhes foi legalmente incumbida.
Para a relatora, ao editar a resolução 14 “definindo normas e padrões técnicos sobre limites máximos de alcatrão, nicotina, monóxido de carbono nos cigarros e restringindo o uso dos denominados aditivos nos produtos fumígenos derivados do tabaco, a Anvisa atuou em conformidade com os lindes constitucionais e legais das suas prerrogativas, expresso na observância do marco legal vigente em estrita atenção à competência normativa”.
De acordo com o voto de Rosa, por se tratar de produtos que envolvem riscos à saúde pública, os produtos estão submetidos a regime específico de controle e fiscalização sanitária da Anvisa, “à qual incumbe regulamentá-los, controlá-los e fiscalizá-los”.
A ministra votou pela improcedência de todos os pedidos da CNI: que fosse interpretado conforme a CF o art. 7º, inciso XV da lei 9.782/99, que dispõe sobre a proibição de aditivos químicos em cigarros, bem como do inciso III; e, quanto ao pedido sucessivo, negou o pedido de declaração de inconstitucionalidade da resolução da Anvisa.
O ministro Edson Fachin acompanhou a relatora, afirmando que chegou às idênticas conclusões. “Entendo que os padrões constitucionais e de legalidade infraconstitucional estão cumpridos pela agência reguladora, e esta forma de cumprimento se deu nos termos da legislação.”
Da mesma forma votou Lewandowski, para quem existem fundamentos constitucionais e legais para que a Anvisa editasse a resolução. Ele destacou os aditivos que melhoram a palatabilidade dos cigarros. “Estudos mostram que crianças e adolescentes são particularmente atraídos e estimulados a usar o cigarro a partir desses aditivos de sabor.”
Ao entender também pela constitucionalidade, Celso de Mello destacou que tem-se reconhecido que as agências reguladoras dispõem de um espaço de liberdade decisória, de um espaço de discricionariedade técnica que legitima a edição e formulação de determinados atos – atos de conteúdo normativo destinados a viabilizar as políticas públicas que sejam formuladas para reger determinado setor. “No caso, a Anvisa exerceu de maneira legítima seu poder normativo, sem haver excedido os limites institucionais que conformam essa atividade.”
Última a votar, a presidente da Corte proferiu o quinto voto pela validade da resolução.Cármen Lúcia destacou a “gravidade do assunto”, no que diz respeito ao que significa o poder regulamentar – que realmente pode se estender de tal maneira que se possa até suprimir a possiblidade de uma atuação legislativa num campo específico. Por outro lado, afirmou a ministra que não tem dúvida de que neste caso, tem-se uma pertinência e coerência entre o que posto na resolução e o poder regulamentar e normativo da Anvisa. “Não vejo nenhum tipo de exorbitância, mas principalmente porque me parece que (…) tem-se aqui o cumprimento de finalidades que são postas tanto na Constituição, quanto na lei, quanto nas políticas públicas adotadas.”
Inconstitucional
O ministro Alexandre observou que o objeto principal da ação não é discutir se estaria dentro do poder normativo da Anvisa proibir – não restringir, advertir, mas proibir de forma absoluta – a produção e importação, comercialização de tipo específico de produto derivado do tabaco.
Inaugurando a divergência, entendeu que a resolução, enquanto ato autônomo, é inconstitucional. Para Moraes, a lei 9.782/99, que cria a agência, não dá à Anvisa um cheque em branco. Ao contrário, estabelece a função para normatizar, controlar e fiscalizar.
Em momento algum a legislação de criação da agência permitiu que ela proibisse qualquer que fosse a espécie de produto derivado do tabaco. (…) O que pode fazer a Anvisa é controlar e fiscalizar, porque a regra principal o Congresso nacional autorizou: são permitidas a fabricação, a comercialização e o uso de cigarro, cigarrilha… e aí a possiblidade de controlar e fiscalizar.”
Moraes destacou que é permitida é a restrição e fiscalização do uso, mas não a extinção de determinada comercialização. “E a resolução vai mais além: ela inclusive adentra a questão de comercio exterior e proíbe importação e exportação. Ora, a vedação me parece que extrapolou exatamente o princípio da legalidade.”
Alexandre julgou parcialmente procedente a ADIn da CNI para declarar a nulidade parcial, com redução de texto, do art. 1 da Resolução da Anvisa, excluindo o texto que diz que essa resolução se aplica à “restrição do uso de aditivos em todos os produtos fumígenos derivados do tabaco comercializados no Brasil”.
Quanto aos níveis máximo e mínimo de nicotina e alcatrão, também estabelecidos na resolução, Moraes entendeu que estes sim são papel da agência reguladora.
Também votou por declarar inconstitucionais os artigos 3º, 6º, 7º e 9º da resolução, porque se referem à vedação absoluta, e por fim ao art. 10 uma declaração parcial de nulidade com redução de texto excluindo somente a menção ao art. 6º, anteriormente declarado inconstitucional.
Para Luiz Fux, que acompanhou Moraes, a atuação normativa da Anvisa cinge-se ao controle sanitário da produção e comercialização de produtos e serviços para fins de proteção à saúde. O ministro destacou que as substancias proibidas pela Anvisa, por meio de norma impugnada, não se enquadram em nenhum dos permissivos legais que lhe circunscrevem as atribuições, e que estão ausentes no ato normativo os riscos iminentes à saúde. Para ele, a proibição dos ingredientes, em verdade, “constitui supressão indevida da liberdade da empresa e de concorrência dos fabricantes, até porque cria certa homogeneidade dos cigarros”. Assim, abusiva a norma, porquanto “provoca o esvaziamento econômico com a retirada do conteúdo pratico da atividade comercial”.
Toffoli também votou pela inconstitucionalidade apontando que o que se estava discutindo não era ao poder regulamentar da Anvisa, mas o extrapolamento dessa atuação. O ministro lembrou que o açúcar faz até mais mal que o cigarro.
Gilmar Mendes destacou que a discussão vai muito além da proibição do cigarro de sabor, mas sim discute o poder das agências reguladoras. “Se um órgão desse jaez pode simplesmente decidir que determinada atividade fica autorizada ou proibida, nós estamos suprimindo, ainda que houvesse delegação, o poder do Congresso de legislar sobre isso, e estamos transferindo a um órgão burocrático. É um problema seríssimo do ponto de vista constitucional.” E ironizou: “quiçá amanhã se decide que não devemos mais consumir açúcar, ou talvez proibir um determinado tipo de malto no whisky. E ninguém tem dúvida de que aí talvez o contrabando suba de nível”.
“Quem sabe daqui a pouco se proíbe até mesmo o bombom recheado com licor”, afirmou Marco Aurélio. Ao acompanhar a divergência, o ministro destacou memorial apresentado por terceiro, o Sinditabaco, do RS, segundo o qual a resolução chega ao ponto de proibir 99% dos ingredientes, com sabor ou não: “a proibição é praticamente linear, dos ingredientes utilizados por todas as marcas de cigarro, e utilizados há muito tempo. Puro, só concebo o cubano, que aprecio muito”.