Presos poderão ser obrigados a ressarcir o Estado pelos custos de sua permanência nos sistemas prisionais. A proposta é do senador Waldemir Moka (PMDB-MS), autor do Projeto de Lei do Senado (PLS) 580/2015. Na visão dos advogados, a proposta deve prejudicar os mais pobres.
O projeto altera a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) para determinar que cada preso contribua com o Estado para custeio de suas despesas no estabelecimento prisional. Caso não possua recursos próprios para o ressarcimento, o preso deverá trabalhar para compensá-los.
O PL está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde sera será votado em decisão terminativa. Ou seja, se aprovada e não houver recursos para sua apreciação em Plenário, seguirá direto para a Câmara dos Deputados.
Dados do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da Universidade de São Paulo (USP) calculam que um preso custa à administração pública R$ 1,5 mil por mês, em média. Esse valor pode triplicar em caso de o preso estar em presídio federal.
Em uma consulta popular no site do Senado com cerca de 29 mil manifestações, 97% dos participantes afirmaram ser favoráveis à aprovação da matéria.
Para Moka, a grave situação do sistema prisional brasileiro decorre, principalmente, da falta de recursos para mantê-lo. A contribuição dos presos para as despesas com assistência material poderia ampliar esses recursos e melhorar o sistema.
De acordo com o último levantamento feito pelo Ministério da Justiça, concluído em 2014, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo. São 622 mil presos — número de presos menor apenas que os dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e da Rússia (644 mil).
Waldemir Moka destaca que a própria Lei de Execução Penal, no artigo 29, já prevê que a remuneração do trabalho do preso se destine ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com sua manutenção, sem prejuízo de outras destinações, como a indenização dos danos causados pelo crime, a assistência à família e pequenas despesas pessoais. O trabalho deve ser feito na medida das aptidões e capacidade do preso, com jornada de seis a oito horas e direito a descanso nos domingos e feriados.
“Somente transferindo para o preso o custo de sua manutenção no presídio é que o sistema penitenciário poderá melhorar e, ao mesmo tempo, por via oblíqua, proporcionar destinação de mais recursos para outras áreas, como os serviços públicos de saúde e educação”, defendeu o senador na justificação do projeto.
Inconstitucionalidade
Segundo o advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni, para que a proposta alcance seus objetivos, o Estado deve implementar medidas efetivas que viabilizem a operacionalização do trabalho do preso.
“Vale observar que, se for transformada em lei, a medida atingirá apenas pequena parcela dos encarcerados, posto que a população dos presídios é composta, em sua esmagadora maioria, por pessoas cuja renda ou patrimônio são manifestamente insuficientes para fazer frente a esse ressarcimento”, argumenta Abdouni. “A solução imediata para o investimento, custeio e manutenção das unidades prisionais deve ter como fonte a receita própria da arrecadação do Estado, e contar, definitivamente, com a vontade política dos governantes. ”
De acordo com o criminalista Fernando Augusto Fernandes, a proposta do senador Waldemir Moka é parcialmente inconstitucional, porque o artigo 150, inciso II, veda tratamento desigual ao contribuinte na criação de taxas, e o artigo 5, inciso XLVII da Constituição Federal (CF), proíbe o trabalho forçado, mas o permite para fins educacionais e produtivo.
“Desta forma, nenhum preso pode ser obrigado a trabalhar para pagar pelo cumprimento de pena. Embora o artigo 145, inciso II, estabeleça a possibilidade da criação de taxa pela utilização do serviço público e a cobrança àqueles que podem contribuir”, diz. “Todavia, a proposta está longe de resolver o problema do sistema prisional. A massa carcerária é composta de pobres que não têm condições de arcar com suas despesas, e o artigo 144 da CF define segurança como dever do Estado”.
O advogado Marcus Vinicius Macedo Pessanha, do Nelson Wilians e Advogados Associados, especializado em Direito Constitucional e Administrativo, também vê a inconstitucionalidade da medida. “Além disso, nosso país é signatário de diversos tratados internacionais que vedam a execução de trabalho forçado ou obrigatório. Como o Pacto de San José da Costa Rica”, explica. “E os tratados internacionais que protegem os direitos humanos e da dignidade da pessoa humana são recepcionados com força de dispositivo constitucional, na ordem jurídica brasileira.”
O criminalista Daniel Bialski, sócio do Bialski Advogados Associados, destaca que a imposição de trabalho já acontece, “inclusive, possibilita redução da pena — 3 dias trabalhados correspondem a 1 dia de pena. “O termo técnico jurídico para isso é remição. Querem acelerar o andamento do projeto, por conta da pressão exercida no calor dos acontecimentos, porém, não se pode pular etapas sem nenhum estudo prévio e adequado”, afirma.
“Existem pontos importantes a serem analisados, como: quem atribui valor; se será prisão pública, privada ou mista; se terá concorrência; se poderá escolher o local para cumprir sua reprimenda, e, por fim, se todas as garantias pessoais previstas na Constituição Federal — assistência nas diversas modalidades — serão preservadas.”
Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, há uma abundante fonte desses recursos, conforme dispõe o artigo 2º, e a Lei de Execução Penal prevê que o produto da remuneração pelo trabalho do preso deverá atender, entre outros, à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios.
“Se as medidas previstas quanto à aplicação dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) fossem levadas a sério, muitos dos problemas de segurança interna nos presídios poderiam ter sido contidos, e principalmente evitados”, argumenta a advogada. “Portanto, é de se refletir inicialmente sobre o que já existe sobre o tema, em matéria de legislação e pressionar os Poderes Públicos envolvidos para que efetivem tudo aquilo que já está previsto e, posteriormente, criem mais dispositivos legais apenas para aperfeiçoar o sistema prisional, no que se refere à necessidade de o preso pagar pelas suas despesas ao Estado”.
Para ela, vale lembrar que o Funpen vem, na sua maioria, da sociedade civil em forma de multas, custas judiciais, fianças, loterias, doações de instituições nacionais e internacionais e outros, “o que equivale a reforçar o fato de que o Estado tem o dever de retribuir com ações afirmativas na direção aqui proposta”.
“A lógica indica que quanto mais o Estado se propõe a criminalizar, mais se propõe a gastar com gente presa”, afirma o criminalista Fabrício de Oliveira Campos, do escritório Oliveira Campos & Giori Advogados. Segundo ele, as causas dos custos de um preso não envolvem só a conduta do condenado.
“É óbvio que quem cometeu o crime é responsável pelo fato de ser punido, mas a coisa vai além: o Estado também escolheu prender em vez de usar outra forma de punição; o Estado também não se propôs a implementar mecanismos preventivos; a sociedade em geral, de alguma forma, também deixou de lado uma série de outros mecanismos de controle até chegar-se ao ponto da ocorrência do crime. Se for para fazer a conta, na ponta do lápis, tem mais gente para pagar a fatura. Não só o condenado.” Com informações da Agência Senado.
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