A Corte Especial do STJ iniciou na primeira sessão do semestre forense o julgamento de repetitivos que tratam da possibilidade de o artigo 1.015 do CPC/15 receber interpretação para admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória sobre hipóteses que não estejam expressamente previstas.
Após as sustentações orais, a ministra Nancy Andrighi, relatora, proferiu longo voto no qual assentou a mitigação da taxatividade do rol de hipóteses previstas no dispositivo do novel compêndio.
A relatora destacou que se estabeleceu na doutrina e na jurisprudência uma “séria e indissolúvel” controvérsia acerca da possibilidade de se recorrer desde logo de decisões interlocutórias não previstas no art. 1.015. As posições defendidas por doutrinadores dividem-se em: (i) rol do artigo seria taxativo e deve ser interpretado restritivamente; (ii) rol seria taxativo, mas comportaria interpretações; e (iii) rol seria exemplificativo.
Segundo a ministra, é tarefa da Corte conferir ao artigo 1.015 a interpretação que melhor se coaduna com a sua razão de existir e as normais fundamentais do CPC, considerando-se a consciente escolha político-legislativa de restrição do uso do agravo.
Rol de taxatividade mitigada
Nancy citou o caso, por exemplo, de uma decisão que nega o pretendido segredo de justiça requerido pela parte.
“Se por ventura o requerimento do segredo for indeferido, ter-se-ia pela letra do artigo uma decisão irrecorrível que somente seria contestada em preliminar de apelação, quando seria inútil, pois todos os detalhes da intimidade do jurisdicionado teriam sido devassados pela publicidade.”
A ministra assentou que não se pretende e nem é possível exaurir os exemplos.
“O que se quer dizer é que sob a óptica da utilidade do julgamento revela-se inconcebível que apenas algumas poucas hipóteses taxativamente arroladas pelo legislador serão objeto de imediato enfrentamento.”
Conforme a ministra, se o pronunciamento jurisdicional se exaurir de plano, gerando situação jurídica de impossível ou difícil restabelecimento futuro, é imprescindível o reexame imediato. Citou ainda a situação relativa à competência, na medida em que não seria crível nem razoável que o processo transite por juízo incompetente por longo período para só na apelação ser reconhecida a incompetência.
O entendimento da ministra afasta a taxatividade da interpretação restritiva do rol, a interpretação extensiva ou analógica das hipóteses listadas e também a de que o rol do artigo é meramente exemplificativo.
“A partir de requisito objetivo – a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso da apelação – possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do 1.015, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência, independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica, porque como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações.”
De acordo com a ministra Nancy, é o caso de se interpretar o dispositivo em conformidade com a vontade do legislador e que é subjacente à norma jurídica, qual seja, o recurso de agravo é sempre cabível para “situações que realmente não podem aguardar rediscussão futura em eventual apelação” – dito pelo senador Vital do Rego na tramitação do CPC.
“Trata-se de reconhecer eu o rol do 1.015 possui uma singular espécie de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, sem a qual haveria desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo.”
Ao tratar da questão da preclusão, a ministra sustentou, que se admitida a possibilidade de se impugnar decisões interlocutórias não previstas no 1.015 em caráter excepcional, tendo como requisito objetivo a urgência, não haverá que se falar em preclusão de qualquer espécie.
A tese jurídica proposta então foi:
“O rol do artigo 1.015 do CPC/2015 é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.”
A ministra propôs a modulação da tese jurídica, que somente se aplicará às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acordão.
Após o voto da relatora, ficou com vista antecipada a ministra Maria Thereza de Assis Moura, não sem antes o ministro Raul ponderar que o critério da inutilidade seria frágil “porque entra em contradição com a não ocorrência da preclusão”; para Raul, o critério da grave lesão à parte agravante ou à marcha processual seria mais pertinente. A ministra Maria Thereza afirmou que pretende devolver a vista em até duas sessões da Corte.