Os atos e manifestações do advogado, no exercício de sua profissão, são invioláveis, como assegura o artigo 133 da Constituição Federal e o Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), no parágrafo 3º do artigo 2º. Entretanto, tal imunidade não alcança os excessos desnecessários ao debate da causa cometidos contra a honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou mesmo o procurador da parte contrária.
O fundamento levou a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter, na íntegra, sentença que condenou um advogado a pagar R$ 15 mil de danos morais ao juiz substituto Sebastião Marinho, da 5ª Vara Cível da Comarca de Passo Fundo. Os julgadores de primeiro e segundo graus entenderam que o magistrado foi ofendido em sua dignidade no pedido de reconsideração apresentado pelo advogado contra decisão que negou uma liminar. Ou seja, o teor das expressões utilizadas na peça jurídica ‘‘desbordou amplamente do razoável’’ e de uma ‘‘natural veemência’’ decorrente do exercício regular de um direito.
Segundo os autos, o advogado se valeu de várias expressões ofensivas para mostrar sua inconformidade com o indeferimento da liminar. Num trecho, ele afirma que o despacho do juiz ‘‘afronta a dignidade da sociedade’’. Noutro, é mais contundente: “Infelizmente, nosso Judiciário possui pessoas que não são capazes de enxergar o mundo senão o que há próximo de seus narizes e que sequer possuem vivência do mundo real, onde para se manter e gerir uma empresa, criar vagas de emprego e, efetivamente, alavancar o crescimento do país, recolhendo impostos e, com esses impostos inclusive remunerar esse magistrado que, de forma preguiçosa, sequer analisou que os juros cobrados e demonstrados através da memória de cálculo, são superiores aos que discorre em seu ignóbil despacho que negou a liminar’’. Para o réu, o juiz Marinho proferiu um ‘‘despacho irresponsável’’.
Chamados a se defender na 3ª Vara Cível daquela comarca, a parte e o advogado apresentaram contestação conjunta. Argumentaram que o autor da ação decidiu de forma diversa em outros três processos que estavam em tramitação na 4ª Vara Cível, de caso similar ao dos autos. Além disso, o magistrado titular da 5ª Vara Cível acabou deferindo o pedido de reconsideração encaminhado. Observaram que os fatos se deram em 2009, e o juiz só ajuizou a ação em 2011, demonstrando ausência de abalo a justificar a fixação de reparação indenizatória. Enfim, sustentaram que as afirmações feitas naquela peça foram ‘‘necessárias e muito bem colocadas dentro do contexto’’, baseadas nos fatos e na prova acostada àqueles autos — tanto que a decisão pleiteada foi modificada pelo juiz titular da vara.
Sentença procedente
O juiz substituto Luís Christiano Enger Aires julgou improcedente a ação em relação à parte representada pelo procurador. É que a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que o advogado, e não a parte, responde por possíveis ofensas proferidas no âmbito de sua atuação em juízo. Com relação ao advogado, entendeu que sua conduta violou, sim, os direitos de personalidade do autor — honra, intimidade e imagem —, garantidos no artigo 5º da Constituição. Comprovado o ilícito cível, cabível o dever de indenizar a parte lesada, como prevê os artigos 186 e 927 do Código Civil.
Conforme Aires, as ofensas feitas pelo advogado atingiram o autor na sua dignidade. Tal conduta vai na contramão do que se espera daqueles que militam na vida judiciária, que é o tratamento respeitoso não só aos magistrados, como às partes, aos servidores, ao público e aos demais colegas. ‘‘Afirmar, portanto, de forma insultuosa e leviana, ter o magistrado se portado de maneira contrária ao seu código de ética — imposto pelas leis e pela sua consciência —, atinge frontalmente o dever de respeito que lhe é devido — e a todos os demais participantes do processo, reitero — e a situação jurídica não patrimonial representada pela sua integridade psicofísica’’, complementou na sentença.
Por fim, ressaltou que a imunidade profissional prevista no Estatuto da OAB não tem caráter absoluto, podendo o patrono responder pelos excessos cometidos, pois a liberdade de peticionar esbarra numa condicionante ética e não tolera abuso no uso de expressões que ofendam a dignidade do ser humano.
O relator da apelação na 10ª Câmara Cível, desembargador Túlio Martins, confirmou os termos da sentença, por também entender que as palavras presentes na ação extrapolaram o limite da lei e da causa patrocinada. ‘‘Nesse contexto, possível observar que as expressões constantes nas alegações do réu não eram necessárias para sustentar a tese defendida ou para robustecer a defesa de seus clientes. Ademais, a lei não legitima a prática de acusações e denúncias não comprovadas, de maneira que o excesso cometido pelo advogado não o torna imune a responder pelos atos praticados’’, registrou no acórdão, lavrado na sessão de 30 de março.
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